Crônica de uma Posse Ilusória, ou do Livro que se Tem sem o Ter
Meu caro leitor,
Permita-me que o convide a uma breve reflexão sobre estas maravilhas de nosso século. Falo daquelas lâminas delgadas e luminosas que nos prometem o mundo, ou antes, os mundos todos que a palavra escrita já concebeu. A sapiência de Alexandria na palma da mão; que ambição! E com que facilidade nos rendemos a ela. O toque de um dedo, um estalido invisível, e eis que um novo volume se acrescenta à nossa coleção. Sentimo-nos mecenas, bibliófilos de uma nova era.
A sensação, digo-lhe, é a da compra, da posse, do domínio. Mas as sensações, como bem sabemos, são as mais astutas das trapaceiras. Escondida nas letras miúdas de um pacto que ninguém lê — pois a pressa é a moeda corrente destes dias — jaz uma verdade de todo desconfortável: não comprastes o livro, amigo meu. Alugastes, quando muito, o privilégio de o folhear em vossa tela.
Enquanto a polêmica entre os antigos e os modernos se perde em questiúnulas sobre o aroma do papel ou a fria conveniência do vidro, o cerne do drama passa ignorado. Falo da posse, esse direito tão caro ao homem. Na vossa estante de jacarandá ou de pinho, sois o soberano de vossos domínios. Cada volume ali é um súdito leal. Na biblioteca etérea do vosso aparelho, contudo, não passais de um inquilino. E o senhorio, um ente distante e sem rosto, reserva-se o direito de vos despejar a qualquer capricho.
Dos Grilhões Invisíveis e Seu Nome Bárbaro
O algoz desta nossa servidão atende por um vocábulo bárbaro: DRM — Digital Rights Management. A um ouvido ingênuo, soaria como a justa gestão dos direitos do autor, e quem de nós não preza o labor do escritor? Na prática, entretanto, a coisa é outra. É um ferrolho, um mecanismo de controle férreo sobre aquilo por que já despendestes vosso dinheiro.
Um livro de papel, esse objeto palpável, traz consigo um séquito de liberdades. Podeis emprestá-lo a um amigo, gesto que cimenta as mais sólidas amizades; podeis vendê-lo a um sebo, dando-lhe nova vida e recuperando alguns réis; ou podeis, num gesto de desapego, legá-lo aos vossos descendentes. O livro, em suma, é vosso. O tal do DRM, porém, aniquila estas liberdades comezinhas. O livro eletrônico não se partilha, não se revende, não se herda. Ficais cativo no feudo digital daquele que vo-lo vendeu, e a vossa biblioteca, que julgais vossa, pertence, em verdade, à plataforma.
Do Espectro na Biblioteca, ou o Livro que se Esfuma
O mais assombroso corolário desta ausência de posse é a impermanência. A obra digital, que hoje adorna vossa coleção, pode amanhã, por um arbítrio remoto, sumir-se no nada, sem vos pedir licença.
Não é teoria da conjura o que vos narro, mas episódio verídico, e de uma ironia que faria sorrir o próprio destino. Há alguns anos, a grande companhia que vende estes aparelhos — a Amazon, para que não nos faltem os nomes — removeu dos leitores de seus clientes as cópias de “1984” e de “A Revolução dos Bichos”, do finado Orwell. Sim, o leitor não se engana. A empresa, exercendo um poder digno do Grande Irmão, apagou a obra que precisamente denunciava o poder totalitário. Uma peça que a vida, essa velha dramaturga, nos prega para nos lembrar de sua natureza farsesca.
O recado foi límpido como a água: vossa biblioteca não é um santuário, mas um serviço. Disputas de contrato, uma falência, uma simples mudança nos termos de uso podem fazer com que vosso tesouro intelectual e financeiro se dissipe como fumaça. Tal ameaça é impensável para o livro físico. Nenhuma corporação ousaria adentrar vossos aposentos para subtrair um volume de vossa prateleira.
Da Verdadeira Liberdade de Ler
A conveniência destes modernos e-readers, confesso, é inegável. Mas o preço que se paga por ela é a nossa própria autonomia. Ao aceitarmos este modelo de licença, abdicamos de um conceito de propriedade que, por séculos, definiu a relação do homem com a sabedoria.
A escolha pelo livro de papel, portanto, é muito mais que um saudosismo estéril. É uma declaração de princípios. Um ato de resistência contra estes feudos invisíveis que nos querem tornar meros usufrutuários do saber. É a afirmação de que uma obra, uma vez adquirida, deve pertencer, de corpo e alma, ao seu leitor.
Assim, da próxima vez que o dedo vos coçar para a “compra com um clique”, interrogai-vos, caro leitor: estais a adquirir um bem perpétuo ou um privilégio revogável? A resposta, quiçá, vos faça olhar com renovado apreço para a velha e fiel estante de madeira. Ali, cada lombada é uma certeza. Ali, a vossa biblioteca é, sem sombra de dúvida, vossa.
‘WE’RE SHUTTING IT DOWN’: COORDINATED ECONOMIC BLACKOUT SET FOR NOV. 25 – DEC. 2Blackout The System has called for a nationwide boycott, urging participants to refrain from working or spending money from Nov. 25 to Dec. 2 as a protest against a damaged government and economic system.
blackenterprise.com/economic-b…
#blackoutthesystem #boycott #protest'We're Shutting It Down': Economic Blackout Set For Nov. 25 - Dec. 2
Blackout The System is calling for a nationwide boycott, urging participants to not work or spend money from Nov. 25 to Dec. 2.Jeroslyn JoVonn (Black Enterprise)
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